"O freqüente
recorrer à oração, bem como a concentração que sempre demonstrava em suas
devoções, ilustram o grande amor a Deus que existia nesse homem, que observava
tão escrupulosamente o mandamento da caridade para com o próximo. Pois embora a
sua vida e comportamento fosse uma oração oferecida em todas as horas, sempre
que podia Gilberto “roubava” oportunidades para rezar secretamente. E isso
realizava não como a maioria das pessoas, apenas com o movimento dos lábios e
com a mente em outros assuntos; elevava aos céus os pensamentos, as mãos e os
olhos, batia no peito e ajoelhava-se revelando as ansiedades do homem interior.
Podemos citar muitos exemplos para provar isso.
Com freqüência
convidava algum dos seus companheiros de clero para rezarem juntos. Ficavam
diante dos degraus do altar entoando os salmos de Davi; e sempre que
encontravam o nome do Senhor ou referência semelhante no salmo, quando a
citação ocorria, Gilberto se ajoelhava e se prostrava no chão. O clérigo
seguia-lhe o exemplo; Gilberto demorou tanto que o clérigo ficou tão cansado
que jurou jamais rezar com ele novamente.
Outra vez, um outro bispo aceitou a
hospitalidade do mestre de Gilberto. Enquanto estava acordado no quarto do
bispado em que Gilberto geralmente dormia, viu na parede em frente à luz, a
forma de um homem na sombra, que ora se levantava e ora caía a noite inteira.
Sem saber do que se tratava, mas imaginando que era uma aparição, ficou
paralisado de surpresa e de horror. Contudo, ao investigar mais cuidadosamente
o fenômeno, descobriu o nosso homem de pé, rezando diante da cama, e observou
que freqüentemente erguia as mãos e se ajoelhava.
Na manhã
seguinte o bispo relatou o que acontecera e rindo acusou o anfitrião de manter
um dançarino em seu quarto e que o assustara na noite anterior. Citamos esses
exemplos para comprovar o que Gilberto certa vez disse aos seus seguidores: que
costumava subjugar o corpo ao máximo com jejuns, vigílias, orações e outros
exercícios espirituais, no tempo em que esteve na corte do bispo e também
posteriormente.
Contam os da
sua casa que, em certa ocasião, ele se acusava de ter flagelado mais o corpo
antes de entrar para a vida religiosa do que depois, embora depois de tomar o
hábito da religião sagrada ele não tenha sido de modo algum negligente em lutar
contra a carne. Mas se dedicou menos a essas práticas, e se depois de ser
designado guardião dos vinhedos não guardou as suas vinhas como antes, não
devemos atribuir isso à preguiça ou à negligência, mas sim a uma preocupação
necessária e caridosa com os assuntos da casa; da mesma forma lemos que a virtude
de São Martinho não diminuiu depois que ele se tornou bispo."
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