" E
assim a cada dia Gilberto via crescerem os filhos de Deus, a cada dia ganharem
força, até se tornarem muito numerosos [1]. Como é típico dos homens corretos,
não se achava merecedor de tamanha autoridade porque tinha consciência da
própria fraqueza; planejou retirar dos seus homens aquela que era ao mesmo
tempo uma obrigação e uma honra, e confiá-la às habilidades de um ou mais que
ele encontraria e que fossem mais fortes e mais capazes.
Era
como se outro Moisés dissesse ao Senhor: “Eu Te peço, Senhor, envia o homem que
Tu quiseres e a quem Tu propiciarás Senhor, o governo dessa grande multidão que
Tu começaste a transformar em uma poderosa nação [2]. Tu tens visto que desde o
momento em que disse ao Teu servo que eu guiaria esse povo, eu tenho levado uma
vida humilde como homem mundano, comparada com essas pessoas a quem devo
superar em mérito e posição social. Percebo o pesado fardo que repousa sobre os
homens que exercem autoridade e receio que, se não for melhor do que o meu
rebanho por ser o primeiro diante de Ti, serei o último”.
Então
Gilberto foi ao Capítulo de Cîteaux onde o Papa Eugênio, de saudosa memória,
por acaso se encontrava presente naquela época, pois Gilberto pretendia confiar
à responsabilidade das suas casas religiosas aos monges cistercienses [3]. Como
Gilberto muitas vezes fora hospedado por esses monges, ficava mais à vontade
entre eles do que entre outros.
Também
os consideravam mais perfeitos na vida religiosa, uma vez que a iniciaram mais
recentemente e as suas regras eram mais estritas; por isso, Gilberto
considerava mais seguro encarregá-los da sua obra para que a disciplina da Ordem
e a data recente da adoção da vida religiosa desses monges garantissem o padrão
de vida que ele próprio desenvolvera e observava estritamente.
No
entanto, o Papa e os abades cistercienses disseram que os monges dessa Ordem
não tinham autoridade sobre a vida religiosa de outros, muito menos de freiras;
portanto, Gilberto não conseguiu o que desejava, mas, sob ordens do Papa e
conselhos daqueles irmãos santos, foi autorizado a continuar o que iniciara na
graça de Cristo. O Senhor não privaria a comunidade de Sempringham do seu
próprio pastor, que se mostraria melhor para ela do que qualquer outro homem.
O
Papa se dispôs a orientar o mérito de Gilberto até que ele multiplicasse por
cem a colheita, embora naquela época ele continuasse no segundo estágio dos
homens [não religioso] [4]. De fato, a nossa irmã, a mesma congregação,
continua muito pequena e não possui recursos sob a forma de prelados ou
pregadores para alimentá-la com o seu próprio leite ou fortalecê-la com comida
sólida, para organizar os assuntos internos, protegê-la da carência e
defendê-la em todas as coisas e por toda parte.
Então,
o Santo Papa Eugênio concedeu e impôs a São Gilberto o dever de zelar pelo rebanho
que reunira; ninguém melhor do que ele, que originariamente o conquistara, e
também não era possível existir ninguém mais fervorosamente preocupado com o
bem-estar desse rebanho do que o homem que trabalhou primeiro e principalmente
para formá-lo.
No entanto, o santo alegou a fraqueza dos
seus últimos anos como desculpa para não assumir responsabilidade tão pesada;
alegou ser indigno dessa honraria, inexperiente em ensino e humilde diante da
perspectiva de cargo tão elevado. Temeu não poder se igualar aos que tinha sob
seu encargo; temeu dispersar a tranquila certeza dos seus pensamentos e que a
preocupação com negócios derrotasse a docilidade derivada da vida interior que
lhe era tão cara e da sua meditação contínua.
Mas
o Papa era homem sábio e percebeu que todos esses argumentos eram desculpas de
uma humildade devotada; e assim, observando que o santo não ambicionava cargos
eclesiásticos, lhe conferiu o ofício pastoral com mais rapidez e
confiança. A intenção de Gilberto era
sempre ser fiel a tudo o que fosse humilde e era vontade do Senhor erguê-lo
ainda mais alto da sua constante humilhação.
Quando o abençoado Gilberto soube do
julgamento divino pronunciado no seu caso, não ousou se opor ao plano celestial
que o convocara para essa missão; mas, preocupado que se mantivesse uma
resistência obstinada se privaria de outras boas qualidades nas quais se
sobressaía, devotamente acatou a obediência a Deus e ao Seu vigário o Papa[5],
esperando uma grande recompensa, pois não tinha prazer com aquela ação.
Gilberto pôs de lado os interesses
particulares para conseguir a salvação de muitos. Depois de longa experiência
na prática da contemplação, ele agora concordava em se dedicar à execução de
atos piedosos, para poder colher frutos de ambos os tipos de vida. Exatamente
por ele poder ser administrador daquilo que antes possuía, uma vez que, concedendo
esses bens aos pobres e ele próprio se tornando pobre exercia o poder como
servo das coisas que lhe eram confiadas, e não como senhor dos seus próprios
bens.
Por
esses e por sinais semelhantes de santidade e de provas consistentes de muitos
homens, diz-se que o Papa Eugênio lamentou não ter conhecido Gilberto antes;
ele disse que gostaria de tê-lo elevado ao arcebispado de York, sede que estava
vaga naquela época, se a notícia dos merecimentos de Gilberto lhe tivesse
chegado antes [6].
Gilberto também se tornou íntimo de São Malaquias,
arcebispo de Irlanda, e de São Bernardo, abade de Clairvaux [7] durante a
visita que fez junto com esses dois homens a um doente que recuperou a saúde,
segundo dizem, com as orações desses três homens. “Além disso, Gilberto recebeu
demonstrações de afeto do bispo e do abade, cada qual lhe ofertando um bastão,
instrumentos de certos milagres; e o abade também lhe ofereceu como lembrança
uma estola e um manípulo”.
[6] O Papa Eugênio III finalmente depôs
William Fitzherbert, arcebispo de York (futuro SãoWilliam de
York) no início de 1147 e confirmou a eleição de Henry
Murdac, abade cisterciense de Fountains; mais tarde, a 7
de dezembro do mesmo ano, o Papa consagrou Henry
(D. Knowles, The Historian and Character and Other Essays,
Cambridge, 1963, p. 90).
[7] Ver pp. xli, xlvi. São Malaquias de Armagn
morreu em Clairvaux em 1148; sobre SãoBernardo e
a reconstrução da igreja irlandesa, ver J.
A. Watt, The Church and the Two Nations in Medieval Ireland (Cambridge, 1970).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.